segunda-feira, 3 de dezembro de 2007
Super-Man X Jesus
Parte 1
O norte-americano Stephen Skelton acaba de lançar nos Estados Unidos o livro "The Gospel According to the Greatest Super Hero", no qual, entre outras coisas, enumera semelhanças entre a história do Super-Homem e a de Jesus Cristo. Muito antes do livro, porém, o professor Dario Carvalho Júnior já ressaltava estas semelhanças em sua dissertação de Mestrado, A Morte do Herói- Introdução ao estudo de sobrevivência de modelos míticos nas Histórias em Quadrinho, defendida na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
"Na realidade, muitos estudiosos brasileiros e estrangeiros já notaram estas semelhanças. O brasileiro Sérgio Augusto já havia escrito um ensaio para a revista Cultura Vozes na década de 70 sobre o fato, assim como o renomado Roger Sabin fala sobre isso no seu Comics, Comix & Graphic Novels. a novidade na minha dissertação foi verificar como a morte do herói o decalcava ainda mais sobre Jesus Cristo e como isso explica o porquê do Superman ter morrido...e ressuscitado", diz Carvalho Júnior.
O Mundo HQ reproduz abaixo, com exclusividade, um trecho da dissertação (que pode ser conferida no site da Unicamp) na qual Carvalho Júnior - que é professor do Centro de Linguagem e Comunicação da PUC-Campinas - discorre sobre o assunto:
"(...) A morte, no entanto, o aproximaria de novo de sua origem de herói épico: o Super-Homem faria sua ascensão ao divino. Mais ainda, a morte seguida de uma ressurreição reafirma que ele é o maior dos heróis, possível de ser comparado apenas ao maior dos heróis registrados na história e único a ter ressuscitado: Jesus Cristo.
A comparação não é gratuita, já que a própria gênese do herói pode ser facilmente identificada com a do Cristo. Ele veio do céu (a nave espacial o trouxe) e quando chegou uma estrela brilhou indicando o local onde o bebê estava (na verdade, o rastro de sua própria nave). Ao retratarem a cena em que o bebê é encontrado, os desenhistas constantemente mostram a criança em uma pequena cápsula facilmente identificável com a clássica cena da manjedoura, imortalizada em quadros e ilustrações de todas as épocas.
Etimologia do nome do herói KAL EL:
1. Do alto alemão antigo KHARAL = homem
2. Do germânico KARALMANN = homem vigoroso
3. Do árabe KALED = imortal
4. Do árabe KALIL = amigo íntimo
5. Do hebraico KAL EL = amigo de Deus
Seu nome verdadeiro, Kal El, tem origem ou som judaico (veja quadro ao lado). Em 1 de maio de 1995 o jornal Jerusalem Post publicou estudo afirmando que o Super-Homem é uma figura tipicamente judia. Segundo o jornal, o nome do original do herói, Kal El, tem "som judeu" e pode ser interpretado com o significado de "deus" em hebraico. Ainda de acordo com o estudo, a missão do herói - defender os mais fracos em uma eterna busca por Justiça - corresponde ao conceito religioso judeu do "Tikkun olan", ou reparação das imperfeições do mundo. Por fim, o disfarce original do herói para se "vestir'de Clark Kent (óculos e chapéu de feutro) seria também prova de origem judaica. Segundo declarações do então presidente da Fundação Norte-Americana pela Cultura Judia, Daniel Schifrin, "essas características são atribuídas normalmente aos judeus da Diáspora, sob os quais se esconde o combatente hebreu, portador de uma missão divina". Siegel e Shuster já haviam falecido quando foi publicado o estudo, mas a viúva de Siegel, Joanna Carter, afirmou que as "tendências judias" do personagem não foram intencionais, apesar de o marido ter ouvido hebraico durante a infância e "provavelmente ter sido influenciado de maneira inconsciente."
Os nomes do casal que encontrou o Super-Homem, declaradamente cristãos, dão mais uma pista bíblica: Jonathan e Martha. (...) Jonathan era filho de Saul e amigo de Davi. Martha era irmã de Lázaro e Maria, a amiga de Jesus (...)
Depois de crescido, Super-Homem é capaz de fazer verdadeiros milagres, mas trabalha sempre para o bem e usa sua força em prol da humanidade, para nos salvar. A morte do herói é ainda mais emblemática. O vilão que o mata é um monstro disforme, chamado Doomsday, que em inglês quer dizer "Dia do Juízo Final", aquele previsto na Bíblia para o fim dos tempos.
Ao contrário do herói, o vilão surge das profundezas da terra, de onde desde antes do Inferno de Dante esperamos que venha nossa perdição. Por fim, Super-Homem morre para nos salvar - e, como um bom herói épico, para salvar o mundo do Caos - e a cena da morte, da qual a ilustração é aqui reproduzida, remete de maneira icônica à
escultura La Pietá, de Michelângelo, que mostra Jesus nos braços de Maria. Alguns dias depois da morte, surgem rumores de que Super-Homem foi visto pelas mais diversas pessoas nos arredores de Metrópolis, sempre fazendo boas ações - salvando vítimas de estupro, assaltos, incêndios...
Lois Lane decide entrar no túmulo onde o Homem-de-Aço foi colocado: o local está vazio e resta nele apenas o lençol que envolvia o corpo (ou seria o santo sudário?). Com efeito, ele ressuscita, mais uma vez para nos salvar. A origem épica do herói agora está agora reforçada e recontada, da mesma forma em que ele promove um afastamento de sua humanidade.
Agora ele é, sem dúvida, o herói dos heróis, literalmente "à Sua imagem e semelhança." Mas se a intenção de ascender o Super-Homem à divindade é clara, ainda assim resta a pergunta: por quê traze-lo para perto de suas raízes épicas mais uma vez?
A resposta pode ser encontrada dentro da narrativa. Diferentemente do que aconteceu com Rê Bordosa, a identidade do Super-Homem nunca entrou em conflito com seu mundo fictício. Pelo contrário, o herói teve sua identidade modificada, moldada para adaptar-se ao mundo conforme o próprio mundo mudava. Ou seja, neste sentido foi aproximando-se cada vez mais do herói prosaico, cada vez mais humanizado.
O mundo do Super-Homem, por sua vez, também foi mudado a partir da humanização dos super-heróis para refletir o mundo real exterior à HQ. Desta forma, um problema começou a se delinear: o Super-Homem - assim como os demais super-heróis - estava cada vez mais prosaico e seu mundo cada vez mais organizado e fundado. Se continuasse como estava, o herói em breve deixaria de ser uma distorção do herói épico para tornar-se uma tentativa medíocre de herói romanesco.
Mais: fatalmente tornaria-se tão humano que deixaria de ser super e eventualmente morreria, sem possibilidade de ressuscitar. A morte e ascensão divina, assim, vieram resolver parte do problema: Super-Homem, ressuscitado, voltaria ao épico" - trecho da dissertação de mestrado " - Trecho extraído de "A Morte do Herói- Introdução ao estudo de sobrevivência de modelos míticos nas Histórias em Quadrinhos", de Dario Carvalho Jr.
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